2 de julho de 2009

A PROFESSORA E A MALETA

Tomei a liberdade de reproduzir esse texto da Lygia Bojunga do livro "A casa da madrinha" foi enviado por uma pessoa que admiro muito. Uma ex-aluna que hoje tenho um grande prazer de chama-la de amiga.


“A Professora era gorducha; a maleta também. A Professora era jovem; a maleta era velha, meio estragada, e de um lado tinha o desenho de um garoto e uma garota de mão dada, vestindo igual. Cabelo igual, risada igual.


A Professora gostava de ver a classe contente, mal entrava na aula e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacote pequenininho, médio, grande, tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor; não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito.

Só pela cor do pacote as crianças já sabiam o que é que ia acontecer: pacote azul era dia de inventar brincadeira de juntar menino e menina; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brinca disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado de lá.

Pacote cor-de-rosa era dia de aprender a cozinhar. A Professora remexia no pacote, entrava e saía da classe e, de repente, pronto! montava um fogão com bujãozinho de gás e tudo. Era um tal de experimentar receita que só vendo. (Um dia a diretora da escola entrou na classe justo na hora em que Alexandre estava ensinando um outro garoto a fazer uns bolinhos de trigo. Uma fumaceira medonha na sala. Tudo quanto é criança em volta do fogão palpitando: falta mais sal! bota pimenta! bota um pouquinho de salsa! A diretora sabia que estava na hora da aula de matemática. Que matemática era aquela que a Professora estava inventando? Não gostou da invenção. Mas saiu sem dizer nada.)


Pacote vermelho era dia de viajar: saía retrato do mundo inteiro lá do fundo do pacote; espalhavam aquilo tudo pela classe; enfileiravam as carteiras pra fingir de avião e

de trem; quando chegavam nos retratos um ia contando pro outro tudo que sabia do lugar.

Tinha um pacote cor-de-burro-quando-foge que a Professora nunca chegou a abrir. Todo dia ela botava o pacote em cima da mesa. Mas na hora de abrir ficava pensando se abria ou não, e acabava guardando o pacote de novo.

Pacote verde era dia de aprender a pregar botão, botar fecho, fazer bainha na calça e na saia. Se o verde era bem forte, era dia de aprender a cortar unha e cabelo.

Verde bem clarinho era dia de consertar sapato. E tinha um verde, que não era forte nem claro, era um verde amarelado, que as crianças adoravam: era dia da Professora abrir pacote de história. Cada história ótima.

E tinha um pacote branco que só servia pra Professora esconder e pra turma brincar de achar. Quem achava ia pro quadro-negro dar aula. No princípio ninguém procurava direito: coisa mais chata dar aula! E aula de quê?

— Conta a tua vida, ué, mostra o que você sabe fazer. Com o tempo, a turma deu pra procurar direito o pacote: achavam engraçada a tal aula.

No dia que Alexandre achou o pacote, resolveu contar pra turma como é que ele vendia amendoim na praia. No melhor da aula, um grupo de pais de alunos, que estava visitando a escola, entrou na sala. Quando a aula acabou, um deles perguntou pra Professora:

— A senhora está querendo ensinar meu filho a ganhar a vida vendendo

amendoim?

A Professora explicou que Alexandre só estava contando pros colegas como era o trabalho dele, pra todos ficarem sabendo como é que ele Vivia.

No outro dia saiu fofoca: contaram pra Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora.

— Que pessoal?

Um disse que era a diretora, outro disse que era uma outra professora, outro disse que era o pai de um aluno, outro falou que era o faxineiro, e foi um tal de um disse que o outro falou, que ninguém ficou sabendo direito.

Aí, uns dias depois, choveu muito. Chuva grossa. Encheu rua, o tráfego da cidade parou, casa desmoronou, coisa à beça aconteceu. Quase ninguém foi à escola. Mas Alexandre foi. Entrou na classe e viu tudo vazio; chovia demais pra voltar pra casa; resolveu sentar e esperar. Lá pelas tantas a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com um jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa gozada, não riu nem nada. Sentou e ficou olhando pro chão.

Alexandre achou que ela nem tinha visto ele:

— Oi!

Ela também disse "oi": e continuou quieta. Depois de um tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada e falou:

— A chuva molhou sua cara.

A Professora nem se mexeu. Ele perguntou:

— Foi chuva?

Ela fez que sim com a cabeça. Alexandre resolveu esperar mais um pouco. Mas pelo jeito, a Professora tinha esquecido de dar aula. Será que era porque ela não tinha trazido a maleta? Arriscou:

— Cadê a maleta?

A Professora olhou pra ele sem saber muito bem o que é que dizia. Ele insistiu:

— Hem? Cadê?

— Perdi.

Ele se apavorou:

— Com tudo que tinha lá dentro?!

— É.

— Os pacotes todos?

— É.

— O azul, o verde, o...

— É, é, é!!

Puxa, que susto! Ela nunca tinha falado alto assim. Não perguntou mais nada, o coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta, tão quieta que ele acabou não agüentando e perguntou de novo:

— Mas e agora? Como é que você vai dar aula sem a maleta?

— Não sei.

— Mas... escuta... você já procurou bem? — Ela fez que sim a cabeça. — Botou anúncio no jornal? Diz que quando bota anúncio quem acha dá pra gente. — Ela ficou quieta. Botou?

— Botei.

— Ninguém achou?

— Não.

— Então como é que vai ser?

— Não sei.

— Dá jeito de você comprar os pacotes de novo?

— Não.

— Por quê? — Ela não disse nada. — Responde. Por quê?

— Eles vêm junto com a maleta; não vendem separado.

— Mas então compra outra maleta, pronto! — Ela ficou quieta de novo. E como o tempo ia passando e ela continuava sempre quieta, e a cara não secava nunca e não chovia lá dentro e a cara cada vez mais molhada, ele acabou pedindo:

— Compra, sim?

— Não dá, Alexandre. Eles não estão mais fabricando essas maletas hoje em dia.

E aí ele não perguntou mais nada. Ela também não falou mais. Até que a campainha tocou e a aula acabou...”

Enfim – por mais que tenham te tirado/roubado a maleta, ela foi (e continua sendo) importante para uma porção de gente...que vc influenciou positivamente nesse caminho afora.

Eu sou a favor das aulas de maleta, cores diferentes..que saiam do lugar comum.

Obrigada pelas palavras tão carinhosas....

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